"À época dos fatos, não havia previsão legal que impedisse Suzane de receber a pensão", explica o especialista em Direito Tributário Ubiratãn Dias
Suzane von Richthofen, condenada a 39 anos de prisão pelo assassinato dos pais em 2002, enfrenta uma cobrança da Receita Federal no valor de R$ 52.993,30. O montante corresponde à pensão que ela recebeu do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) entre 2002 e 2004, após a morte dos próprios pais. Atualmente, Suzane cumpre pena em regime aberto.
Suzane afirmou que já utilizou o dinheiro da pensão e que não tem como restituí-lo. A Justiça Federal tem enfrentado dificuldades para localizá-la, enquanto o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação judicial para exigir o ressarcimento, destacando que não é razoável uma assassina ser beneficiada financeiramente pelo crime cometido.
A cobrança judicial se arrastou por anos, até que, em 2013, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que Suzane devolvesse à época R$ 44.500 aos cofres públicos.
Segundo o advogado Ubiratãn Dias, à época em que Suzane recebeu o benefício (2002-2004), a concessão da pensão por morte era regulamentada pela Lei nº 8.213/1991. Essa legislação não previa, de forma expressa, a exclusão do direito ao benefício para dependentes que tivessem cometido homicídio doloso contra o segurado. Essa lacuna legal permitiu que, mesmo após o assassinato, Suzane tivesse acesso à pensão por morte de seus pais.
A situação mudou somente em 2015, com a promulgação da Lei nº 13.135/2015, que trouxe uma alteração significativa na legislação previdenciária. A nova lei incluiu a perda do direito à pensão por morte para dependentes condenados por crime doloso que tenha resultado na morte do segurado. Essa mudança alinhou a legislação previdenciária ao princípio já presente no Código Civil, que impede que alguém se beneficie da própria torpeza, como no caso da indignidade sucessória.
Retroatividade da lei em debate
Ainda de acordo com Ubiratãn Dias, à época dos fatos, não havia nenhuma previsão legal que impedisse Suzane de receber a pensão. Assim, o INSS concedeu o benefício conforme a legislação vigente no período. O advogado defende que a devolução dos valores recebidos por Suzane carece de fundamento jurídico sólido, já que a aplicação retroativa de uma legislação mais severa ao beneficiário é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Portanto, embora a concessão da pensão tenha causado indignação moral, ela foi realizada de maneira legal no contexto das normas em vigor na época. A exigência de devolução, segundo especialistas, encontra dificuldades jurídicas justamente por essa ausência de proibição explícita na legislação previdenciária de 2002.
Buscas por bens e dificuldades para o ressarcimento
Após a decisão do STF, a Justiça realizou buscas patrimoniais para localizar bens de Suzane que pudessem ser bloqueados, incluindo contas bancárias, veículos e imóveis. No entanto, nenhuma propriedade foi encontrada em seu nome. O valor devido foi inscrito na Dívida Ativa da União, e Suzane passou a constar em cadastros de inadimplentes, como o Serasa.
Embora não tenha um endereço fixo, Suzane foi vista em várias cidades do interior de São Paulo, como Angatuba, Bragança Paulista, Águas de Lindoia, Atibaia e na Riviera de São Lourenço, em Bertioga. A última movimentação judicial no caso ocorreu em 14 de fevereiro de 2025, quando a Justiça confirmou a cobrança e manteve as buscas por bens que possam ser penhorados.
Acesso ao Fies
Mesmo inscrita na Dívida Ativa da União, Suzane conseguiu, em 2024, um financiamento pelo Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) para cursar uma faculdade particular. O programa, que utiliza recursos públicos para financiar estudos em instituições privadas, geralmente exige que o beneficiário não tenha dívidas federais.
A concessão do benefício gerou questionamentos, já que dívidas com a União, como a de Suzane, deveriam impedir o acesso ao Fies. A situação de Suzane segue cercada de controvérsias, tanto pelo não pagamento da dívida quanto pelo acesso a benefícios públicos enquanto permanece inadimplente.