Luiz Marcatti e Herbert Steinberg*
A mais recente onda de aberturas de capital de empresas na Bolsa de Valores brasileira deveria provocar, na mesma medida, um interesse crescente pelos respectivos modelos de gestão. A importância da governança dessas companhias estreantes (e das listadas) é válida não somente por causa do estímulo à longevidade — principalmente numa época em que as pautas ESG (aspectos ambientais, sociais e de governança) ganham força —, mas também pelo processo de desenvolvimento do mercado de capitais nacional.
Mesmo com pressões mais intensas por parte de investidores e gestores de ativos, no Brasil persistem histórias de companhias que tropeçam, sobretudo, na governança, por causa de envolvimentos em escândalos. Nesse contexto, seria esperado que os órgãos de fiscalização e controle do mercado de capitais reavaliassem sua atuação como importantes agentes para a garantia de adoção de práticas mais efetivas de transparência e governança corporativa.
Por ora, não é o que tem sido observado; ao contrário, vê-se uma certa passividade das autoridades brasileiras que contribui para a acomodação de comportamentos de alguns agentes de mercado e faz a governança ser deixada em segundo plano. Essa perspectiva é corroborada pelo especialista em governança corporativa e conselheiro independente de empresas Renato Chaves, que participou da edição de agosto do Mesa ao Vivo. Ele integra diversos conselhos de administração e conselhos fiscais, atua no Comitê de Auditoria da Previ desde 2018 e tem atividade docente em proeminentes escolas de negócios, como FGV, Fundação Dom Cabral e PUC-RJ. Nos conteúdos do Blog da Governança, Renato Chaves constantemente estimula o debate entre ativistas na área de governança.
Na leitura de Renato Chaves, condutas graves prejudiciais à ética de algumas companhias abertas não parecem ter força suficiente para fazer avançar a preocupação com a governança por parte de agentes importantes. E, igualmente preocupante, o contexto de excesso de liquidez e os juros baixos incentivam os investidores a pôr dinheiro em companhias apenas pelas perspectivas de bons resultados, independentemente de a empresa ser alvo de processo no regulador ou de manter executivos e conselheiros com notória má conduta — fatores que podem representar riscos para o investidor. Nessa interpretação, os órgãos reguladores deveriam reforçar suas políticas de responsabilização de infratores e tornar suas sanções mais enérgicas e menos desproporcionais em relação a grandes malfeitos.
E a lacuna no alinhamento adequado das companhias também pode envolver instituições voltadas para a governança corporativa e nascidas com o propósito de desenvolver e disseminar boas práticas no ambiente de negócios. Por vezes, elas não se posicionam à altura das questões que se apresentam no mercado. Ao evitarem temas polêmicos, empobrecem seu papel.
Outro reflexo da apatia dos órgãos de fiscalização e controle atinge tanto empresas quanto conselhos de administração. Há contratações de conselheiros que apenas cumprem um checklist, criando estruturas de compliance e comitês. Alguns se inserem numa cultura que os protege, causando acomodação e “garantindo” o status de conselheiro por posição e remuneração. As empresas, por sua vez, acreditam que o “S” do ESG se restringe aos conselhos, deixando de construir diversidade nos níveis gerenciais.
Com o tempo, essa governança de papel também induz o comportamento dos shareholders (acionistas), numa dinâmica perversa. Uma vez que o acionista não nota o peso dos instrumentos de avaliação e dos indicadores do regulador — além de observar a demora ou a ausência de punição a irregularidades —, ele tende a ter medo de exercer seu poder como investidor. A falta de cobrança de dados mais relevantes e de informação de qualidade sobre o andamento dos princípios da governança de uma empresa também forma pontos de vulnerabilidade para o investidor. Isso num cenário de constante aumento da presença de pessoas físicas na bolsa. Essas questões precisam ser enfrentadas e corrigidas.
Assim, a postura ativista em prol da boa governança, vista ainda de forma pejorativa, deve chegar às instâncias das assembleias e da formação dos conselheiros, sempre com debates construtivos. As empresas devem investir em governança para criar bases sustentáveis que ajudem na perpetuação do negócio, e não apenas para parecerem boas. E as instituições do mercado de capitais precisam expandir temas e conceitos e tomar como missão o papel de serem, de fato, agentes de governança.
*Respectivamente, sócio e presidente e sócio, fundador e presidente do conselho da MESA Corporate Governance