Por conta de gastos provenientes da pandemia de Covid-19, é fundamental a presença de uma reformulação nas contas públicas
Após décadas de discussões sobre a necessidade de reformas
estruturantes no Brasil, o debate começa a mostrar resultados. O governo
apresentou no início de setembro sua versão de reforma administrativa, que tem
o objetivo de racionalizar o funcionamento do Estado com regras claras para os
servidores públicos da União, estados e municípios. – A reforma administrativa
é fundamental para a retomada do crescimento, diz José Maurício Caldeira, da
Asperbras.
Sócio, acionista e membro do Conselho de Administração da
Asperbras, Caldeira defende que, após a reforma da previdência, a reformulação
das carreiras dos servidores, ao lado da reforma tributária, é essencial para
termos um estado mais enxuto e um país mais eficiente. “A reforma administrativa
faz parte de um esforço pelo ajuste das contas públicas. Somente neste ano, com
os gastos decorrentes da pandemia do coronavírus e aprovação do chamado
orçamento de guerra, o Brasil terá um déficit de aproximadamente R$ 800
bilhões”, lembra José Maurício Caldeira.
Essa situação conjuntural torna ainda mais urgente a
reformulação dos gastos do Estado. Um levantamento do Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada) estima economia de R$ 816 bilhões em 10 anos com
medidas fiscais e reforma administrativa. O estudo não analisa especificamente a
necessidade de aprovação da proposta de reforma administrativa, encaminhada
pelo governo ao Congresso Nacional no início deste mês. De acordo com os
autores, o objetivo foi avaliar medidas de forma geral e oferecer "um
cardápio" de ações possíveis ao Executivo, Legislativo e à sociedade.
Reforma
administrativa é só para novos servidores
A proposta enviada pelo governo ao Congresso que não altera
o regime de quem já trabalha para o Estado. O texto irá valer apenas para quem
começar no serviço público depois que o projeto for aprovado. Ele muda regras
para servidores federais, estaduais e municipais.
Essa etapa está sendo considerada apenas uma primeira fase da reforma, que foi entregue como uma PEC (Proposta de Emenda
à Constituição). Para ser aprovada, ela precisa obter três quintos dos votos na
Câmara e no Senado, em duas votações em cada Casa.
Seu principal objetivo consiste em mudar o processo de
contratação, a forma do vínculo empregatício com o governo e a progressão dos
servidores dentro da máquina pública. Além disso, pretende extinguir mecanismos
que a equipe econômica considera como uma distorção do sistema de contratação
público.
Nem todas as
carreiras serão atingidas
Além de não valerem para quem já está na ativa, as mudanças propostas
não serão aplicadas para juízes, promotores, parlamentares e militares,
categorias que recebem salários mais altos, mas que estão sujeitas a regras
diferentes em relação aos servidores comuns. O Executivo afirma que não tem autonomia
para alterar as normas dessas carreiras.
No caso desses grupos, as mudanças teriam de partir dos
próprios órgãos aos quais estão ligados. O presidente da Câmara dos Deputados,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), por exemplo, já elabora
uma reforma administrativa específica para a casa que comanda. O projeto
deverá estabelecer corte de mil cargos
efetivos e 500 comissionados que atendem às lideranças e seus gabinetes. O salário
de ingresso do analista legislativo será cortado de R$ 24,7 mil para R$ 13,8
mil. O salário inicial do técnico legislativo cairá de R$ 16,4 mil para R$ 9,2
mil.
Ao todo, a Câmara poderá ter uma economia de R$ 440 milhões
por ano. Hoje, o salário bruto médio de seus servidores é de R$ 28 mil. A ideia
é implementar um sistema de avaliação de desempenho dos servidores e aumentar o
tempo para os servidores subirem na carreira, de 10 para no mínimo 25 etapas.
Novos regimes de trabalho
A seleção de funcionários públicos da União, estados e
municípios é feita atualmente por concurso público, que são sujeitos a “estágio
probatório”, em que o candidato pode ser demitido por desempenho ruim. Na
prática, isso não ocorre e 99% dos servidores são efetivados e passam a ter
estabilidade no emprego.
A proposta de reforma do governo cria regimes diferentes,
com a retirada da estabilidade em parte das carreiras nas quais as demissões
permitidas seriam resultado de “desempenho insuficiente”. Os novos regimes são:
- Um regime de “carreiras típicas de Estado”, onde há concurso público e estabilidade,
similar ao modelo atual. Haverá, por no mínimo dois anos, um período de
experiência que substitui o estágio probatório. Serão efetivados servidores com
melhor desempenho. As funções que se enquadram nesse regime serão divulgadas
posteriormente pelo governo em um projeto de lei;
- Um regime de “cargo por prazo indeterminado”. Nele, há
concurso público seguido de um período de experiência de no mínimo um ano. Esse
grupo terá estabilidade flexível, e está sujeito a demissão em casos de
necessidade de corte de gastos ou extinção da função por avanços tecnológicos;
- Um grupo de “vínculo de prazo determinado”, ou seja, cargo
temporário. Neste regime, não há concurso público. Segundo o Ministério da
Economia, a admissão será feita em um processo simplificado. Esses servidores
devem ser contratados para demandas pontuais e temporárias, como desastres
naturais;
- Um grupo de “cargo de liderança e assessoramento”, no qual
não há concurso público ou estabilidade
e o vínculo é temporário. Este grupo corresponde aos cargos de confiança.
Retirada de benefícios
Outro aspecto importante da reforma consiste em eliminar os
chamados “penduricalhos”, que são vantagens, benefícios e mecanismos previstos
nas carreiras públicas e que, em alguns casos, se acumulam e levam a
supersalários no setor público. Entre eles, destacam-se as férias com duração
superior a 30 dias, aumentos retroativos e a progressão de carreira baseada
exclusivamente em tempo de serviço. O texto também retira a possibilidade de
aposentadoria compulsória como punição aos servidores – considerada um
benefício disfarçado de punição.
Para José Maurício Caldeira, da Asperbras, ainda há muito espaço de discussão da reforma administrativa no Congresso e o debate está apenas começando. “O importante é que finalmente colocamos esse tema fundamental em pauta e poderemos trabalhar para termos a melhor e mais adequada legislação para que o país se desvencilhe dos fatores que travam seu crescimento econômico”, afirma Caldeira.