O poder e a caneta têm uma relação íntima, às vezes libertina. Mas ultimamente ela tem sido explícita
Por José Sarney
A primeira vez que ouvi uma definição precisa sobre essa relação foi, nos longínquos anos de 1968, de Plácido Castelo, ele governador do Ceará, eu do Maranhão. Disse-me, mostrando uma caneta: “Sarney, nós, governadores, com esta bichinha poderosa, podemos fazer a felicidade e a infelicidade, nomear, demitir e ameaçar. Mas ela tem um defeito. Quanto acaba a tinta, não serve para mais nada.” A tinta acabava com a eleição do sucessor.
A caneta e a tinta fizeram estórias da História. Prudente de Moraes foi eleito contra a vontade de Floriano Peixoto. O marechal resolveu não lhe passar a faixa. Prudente tomou posse no Congresso e foi para o Itamaraty, sede do Executivo. Estava inteiramente vazio. O Presidente mandou comprar papel, caneta e tinta para nomear o Ministro da Justiça, Antônio Gonçalves Ferreira, e fazer os atos iniciais. Eu fui mais feliz, porque o Figueiredo apenas não quis me passar a faixa.
O nosso presidente atual, que tem sangue quente, quando demitiu o Ministro Mandetta, advertiu: “Deu algo nos integrantes do governo, mas a sua hora vai chegar.” E chegou na cabeça do Moro. Quando quiseram fazer uma intriga entre o parlamento e o Chefe do Executivo, este avaliou o poder da caneta e disse ao Presidente Maia: “Com a minha caneta eu tenho mais poder que você.”
Mas o Supremo entrou no jogo das canetas e disse que tinha onze canetas em vez de uma — haja canetada.
Certa vez o Senado ouvia o Ministro da Fazenda do Governo Fernando Henrique e o Senador Mercadante foi interpelá-lo. Antes disse ao Ministro: “Tome nota da minha pergunta com sua caneta Mont Blanc.” Malan respondeu: “Senador, vou anotar com a minha caneta Bic.” — e mostrou sua esferográfica popular. Foi uma risada geral.
É que as canetas também têm status. No meu tempo era a Parker, com um tinteiro de borracha embutido, colocada no bolso externo do paletó, para mostrar que se era uma pessoa de poder.
Agora é a popular caneta esferográfica azul, que abalou a internet nestes meses foi na música Caneta Azul, que tornou célebre Manuel Gomes, meu conterrâneo de Balsas.
Assim, temos um tempo de brigas de caneta. Mas a caneta do Brasil foi outorgada pela Constituição para expressar o governo democrático, tão bem definido por Lincoln “como do povo, pelo povo, para o povo”, o poder civil, síntese de todos os poderes, como bem define a doutrina da Escola Superior de Guerra.
A Presidência tem que ser exercida com grandeza, humildade, prudência e inabalável sentimento moral. Bic ou Mont Blanc, Parker ou qualquer outra, a única marca que engrandece, por assegurar direitos humanos, bem-estar social, harmonia e independência entre os poderes é a marca Democrática.
Já tinha escrito esse artigo quando me lembrei do dia 1º de Maio. Quero me dirigir ao nosso trabalhador, e dizer que, para homenageá-lo, em sua data, ontem, fundamos Tribuzzi e eu o jornal O Estado do Maranhão, que completou 61 anos, trazendo nosso idealismo para servir as grandes causas do Maranhão. Ele ajudou a mudar a mentalidade do Estado, criando a pauta do desenvolvimento. Seu editorial de apresentação pedia uma universidade, que não tínhamos, estradas, energia, educação.
Tribuzzi, nestes anos todos, é a inspiração do Jornal, e até as casuarinas do Cemitério morreram, porque ele morreu, e seu saber até hoje faz falta ao Maranhão. Que saudade!
*José Sarney é ex-presidente da República Federativa do Brasil e imortal da Academia Brasileira de Letras.
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