Em 2016, ainda na interinidade, Temer recebeu Robson Rodovalho e um grupo de pastores que pedia "combate à ideologia de gênero e a defesa dos direitos da família tradicional"
Na noite de 5 de janeiro deste ano, o então ministro da Fazenda Henrique Meirelles, agora pré-candidato à Presidência, participou de um culto na sede da igreja evangélica Sara Nossa Terra, em Brasília. Meirelles foi festejado e recebido com pompa na igreja fundada pelo bispo Robson Rodovalho, que foi deputado por um mandato representando o Distrito Federal. Apresentado pelo empresário Flávio Rocha, integrante da comunidade evangélica e pré-candidato ao Planalto, o ministro orou e foi abençoado no palco por Rodovalho e sua esposa, a também bispa Lúcia Rodovalho.
Desde o ano passado, o bispo se converteu em um pregador da reforma da Previdência. Líder de uma congregação que reúne aproximadamente 1,3 milhão de fiéis em todo o país e no exterior, Rodovalho defendeu a necessidade de novas regras para pensões e aposentadorias em encontros com religiosos. Sem os 308 votos necessários para a aprovação na Câmara, a proposta de Meirelles e do Palácio do Planalto naufragou no plenário. Mas o bispo não tem do que se queixar, ao menos financeiramente.
Entre 2017 e 2018, o governo repassou R$ 862,8 mil para o CNPJ da Fundação Sara Nossa Terra. Esse foi um dos 20 maiores montantes gastos pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) para propagandear a reforma engavetada. A instituição religiosa possui uma estrutura própria de comunicação para chegar aos fiéis. Além da TV Gênesis, o grupo inclui a rádio Rede Sara Brasil FM, presente em nove cidades, e o portal Saraonline.
No início de janeiro, a reforma já agonizava havia um ano e o governo lançava mão de seus últimos recursos para tentar a aprovação. Pouco mais de um mês depois, ela foi definitivamente enterrada com o decreto de intervenção federal no Rio de Janeiro, que impede a votação de emendas constitucionais durante esse período.
Lobby pela reforma
Em 17º lugar na soma de valores, os pagamentos à Fundação Sara Nossa Terra foram feitos em seis meses diferentes e estão entre os mais altos. Três dos seis pagamentos figuram no “Top 10” dos maiores montantes pagos no mês. Os dados sobre os repasses para a propaganda da reforma da Previdência foram obtidos pelo Congresso em Foco por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Em 24 de outubro, a Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil (Concepab), presidida por Rodovalho, se reuniu para discutir o cenário nacional para 2018. A reunião teve a presença de pastores representantes de 11 unidades federativas, além do secretário da Previdência, Marcelo Caetano.
Não era a primeira reunião de Rodovalho para tratar do assunto. Em maio, o bispo e a bancada evangélica no Congresso já haviam se reunido para discutir alguns pontos considerados “preocupantes” na PEC. Mesmo assim, a entidade já tinha declarado apoio à reforma em nota sobre a celebração de 1º de maio.
Na ocasião, a Concepab declarou ser “favorável às reformas, desde que resultem do bom debate, no fórum apropriado, o Congresso Nacional” e promovam “ganhos de produtividade” e “contenham o déficit bilionário crescente” da Previdência.
Maio de 2017 também foi o mês em que a Fundação Sara Nossa Terra recebeu o maior dos seis pagamentos destinados a ela. Foram R$ 218,1 mil para veicular propaganda sobre a reforma, o sétimo maior valor pago no período, perdendo apenas para as emissoras de TV Globo e Record, para o Facebook, para o canal SBT e para o Twitter, respectivamente.
Na noite em que Meirelles foi ao culto em sua igreja, Rodovalho reforçou o apoio à reforma. “Defendo o povo. Não quero que a reforma da Previdência poupe só o capital”, ressaltou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. O bispo disse que a Sara Nossa Terra havia “ampliado o diálogo” com o então ministro da Fazenda porque a igreja tem uma ampla “rede” de 1,5 mil empresários ligados a ela. No mês anterior, dezembro, a fundação da igreja havia recebido o segundo maior pagamento registrado: R$188,7 mil.
O Congresso em Foco procurou a Sara Nossa Terra e a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) para esclarecer a motivação e os critérios dos repasses.
A igreja ignorou o questionário enviado pela reportagem. Entre outras coisas, o Congresso em Foco perguntou qual é o alcance e a audiência dos veículos do grupo, se a propaganda também foi feita dentro dos templos religiosos e se havia relação entre as manifestações do bispo Rodovalho, de apoio à reforma, e o repasse publicitário.
“A Rede Gênesis de TV, por meio de sua geradora, em Brasília, 20 retransmissoras e parcerias com outras denominações, opera com capilaridade nacional, em sinal aberto, além das capitais, para mais 600 municípios. Essa estrutura, associada à sua credibilidade, é o que oferece aos anunciantes”, limitou-se a informar o grupo da Sara Nossa Terra.
Segundo a Secom, a TV Gênesis e a Rádio Sara Brasil estão regularmente cadastradas e cumpriram todas as exigências formais necessárias para veicular ações de divulgação. “A seleção e programação nas campanhas da Secom se deram por oferecerem cobertura territorial nacional e proporcionaram alcance da parcela de público importante para o atingimento dos objetivos de mídia das ações da Secom. Esse critério é abrangente e contemplou outros veículos do segmento/perfil de público religioso”, informou o órgão de comunicação do governo. A Secom também declarou que o procedimento seguiu todas as orientações normativas.
O eleitorado evangélico
Os líderes evangélicos têm se colocado como players importantes na busca de votos por políticos, uma vez que podem influenciar uma parte importante do eleitorado. Com o crescimento do conservadorismo e a influência da religião na política, refletida no tamanho da chamada “Bancada da Bíblia” no Congresso, que tem mais de 200 parlamentares evangélicos e católicos, o apoio em forma de voto dessa parcela da população é cada vez mais almejado pela classe política.
Convencer o eleitorado evangélico da importância da aprovação das novas regras era uma tarefa considerada importante pelo governo. Uma pesquisa encomendada ao Ibope pelo próprio Planalto no fim de janeiro apontava que apenas 14% dos entrevistados eram a favor da reforma da Previdência. A pressão de religiosos poderia ser importante para reverter esse quadro. Segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente a 2010, os evangélicos já eram 22% da população, somando 42,3 milhões de brasileiros. Àquela época, o crescimento já era de 61% em relação a 2000.
O próprio fundador da Sara Nossa Terra, bispo Robson Rodovalho, integrou a bancada evangélica. Eleito deputado federal em 2006, ele teve seu mandato cassado por infidelidade partidária no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no fim de 2010. Na época, ele trocou o partido do ex-governador José Roberto Arruda, que havia passado dois meses preso, pelo PP. Como a legislatura já estava se encerrando, a decisão da Corte eleitoral não teve efeito prático. O bispo, porém, acabou abdicando da reeleição.
A relação com a política não para por aí. Um dos fiéis da Sara Nossa Terra foi o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), atualmente preso. A Sara foi a primeira igreja evangélica frequentada pelo fluminense, que depois se aproximou da Assembleia de Deus mas sem cortar laços com a igreja anterior.
Outro nome político ligado à instituição religiosa é o do empresário Flávio Rocha, dono da rede de lojas Riachuelo e pré-candidato do PRB à Presidência da República. Foi dele a incumbência de chamar o então ministro Meirelles ao palco no início de janeiro.
Criada em 1994 em Brasília, a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra é uma igreja neopentecostal com mais de mil templos espalhados, por meio de células, pelo Brasil e pelo exterior. Está presente em países como Estados Unidos, Alemanha, Espanha, Portugal, Holanda, Inglaterra, Suíça, Itália, França, Argentina, Finlândia, Guiné Bissau, Peru, Uruguai e Paraguai.
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