O clima de instabilidade política brasileira tende a se agravar com a corrida eleitoral do próximo ano. De acordo com especialistas ouvidos por A GAZETA, o país enfrenta a maior crise econômica, política, moral e fiscal da história
A menos de um ano da próxima eleição, o desgaste ideológico e partidário se tornam um terreno fértil para a disseminação de notícias falsas em redes sociais, que podem se transformar em uma verdadeira armadilha para o eleitor.
O uso das chamadas fake news como mecanismo para favorecer candidatos ficou explícito após ser descoberta a criação de notícias falsas para atacar a candidata Hillary Clinton na última eleição presidencial norte-americana, em 2016.
A estimativa da Fundação Getúlio Vargas (FGV)é de que, até o final de 2017, o Brasil terá um smartphone por habitante. O número de celulares cresceu 17% em relação ao ano passado e soma 198 milhões de aparelhos.
“Criar notícias falsas é uma forma de ataque à liberdade de expressão”, destacou a estudante Jordânia Fassarella, que critica as fake news
Esse contexto, somado ao volume de ataques envolvendo políticos brasileiros que já confirmaram a pré-candidatura, fez o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em parceria com o Exército e a Agência Brasileira de Inteligência (Abim), criar um conjunto de medidas para identificar e combater as fake news nas eleições de 2018. Essa força-tarefa deve entrar em vigor no mês que vem.
O advogado eleitoral e professor de Direito Empresarial Danilo Carneiro avalia a decisão do TSE como polêmica e, de certo modo, como um tipo de censura prévia, porque existe dificuldade em distinguir notícias falsas de conteúdos opinativos.
“Eu louvo a iniciativa do TSE, mas é preciso campanhas de conscientização. O tempo de investigação é importante em um período eleitoral. Uma fake news espalhada há três dias da eleição abala seus ideais sobre o candidato. Por isso, acredito que só informação combate informação. A repressão é sempre o pior caminho”, enfatizou.
O potencial de distribuição de conteúdo na internet é visto como uma forma positiva de popularizar a informação. Contudo, o doutor em Ciências Sociais Vitor de Ângelo aponta que para o enfrentamento das fake news é necessária uma quebra na “romantização” das redes sociais. Ele alerta: é preciso entender os perigos delas para a democracia.
O estudante João Victor Vieira sempre desconfia do que lê. “Pessoas mal-intencionadas vamos encontrar em todo lugar. Sempre desconfio”, afirma
Foto: Luiza Marcondes
“Não tem a ver com ideologia. Tanto esquerda e direita podem produzir notícias falsas. ‘Meias verdades’ podem influenciar, fragmentos tirados de um contexto perdem o sentido original e viram algo gigantesco nas redes sociais”, comentou Vitor.
São essas “notícias maquiadas” as mais perigosas, na visão de Carneiro: “As notícias falsas são mais fáceis de identificar e reverter. Agora, as que distorcem dados reais podem confundir e acabam com reputações. Essas são as eleições mais importantes desde a redemocratização. A descrença nas instituições e o acirramento dos ânimos formam um terreno perfeito e extremamente fértil para as fake news se proliferarem”.
O estudante Ramon Tomaz acredita que as pessoas devem buscar informações confiáveis para não cair em fake news
Foto: Luiza Marcondes
O advogado ainda advertiu que a pena para quem cria uma fake news de cunho político pode chegar a 4 anos de prisão. O candidato que fizer ou contratar esse tipo de serviço pode ter a candidatura cassada.
CONTRA FAKE NEWS
Confira, a seguir, dicas dos especialistas e da Associação Nacional de Jornais (ANJ) para não disseminar notícias falsas por aí:
1 – Leia além do título. No imediatismo, as chances de compartilhar notícias falsas é maior. Por isso, leia a matéria completa.
2 – Cheque a origem da notícia. Muitos sites criam conteúdos sem embasamento.
3 – Desconfie de sites sensacionalistas. A linguagem usada na construção das notícias deixa claro o posicionamento e a intenção do site.
4 – Fique atento ao endereço virtual. Sites hospedados em domínios estrangeiros costumam burlar as leis locais. Confira o endereço para saber se realmente está onde queria.
5 – Procure a notícia em outras fontes. Ao desconfiar de algum conteúdo, busque informações sobre o mesmo assunto para saber se é verídica ou falsa.
Moedas virtuais aumentam risco de caixa 2
Além da preocupação com as fake news, o uso de moedas virtuais (o nome “técnico” é criptomoedas) pode ser um transtorno na eleição presidencial. No ano passado, o atual presidente da França, Emmanuel Macron, foi alvo de notícias falsas financiadas por investimentos sigilosos nas Bahamas.
A criptomoeda Bitcoin surgiu em 2009 e tem ganhado mercado no Brasil de três anos para cá por sua valorização financeira. Por existir apenas no mundo virtual, o valor de bitcoins é extremamente flutuante. Atualmente, uma unidade da moeda é comercializada por cerca de R$ 1,6 mil.
Além da volatilidade, dificuldade de tributação, identificação dos proprietários e investigação de origem, as bitcoins trazem também uma insegurança para o processo eleitoral.
Por ser um tema polêmico, o advogado eleitoral Danilo Carneiro acredita que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vá fazer uma resolução sobre o financiamento de campanha por moedas virtuais.
“O TSE tende a se antecipar com temas que têm efeito sobre a eleição. Inserir essa moeda no processo eleitoral de 2018 seria colocar um elemento de muita insegurança e vai ferir o princípio de transparência da eleição”.
O especialista e consultor em segurança da informação Gilberto Sudré explica que esse tipo de moeda permite o anonimato e a fuga do controle do Estado, e por isso o financiamento com essas moedas pode ser ligado a esquemas de caixa 2.
“Apesar do aparente anonimato, é possível rastrear de onde saíram as moedas e onde foram depositados os valores em Bitcoin mesmo sem saber a quem elas pertencem. As partes interessadas podem monitorar as atividades do usuário e tentar associar a alguma pessoa ou agente”, explica Sudré.
Na corrida eleitoral, até robôs podem compartilhar conteúdo
Que o volume de informações que chegam aos usuários de redes sociais é grande não é novidade. Mas o que talvez algumas pessoas não saibam é que parte desse conteúdo pode ter sido gerado não por humanos, e sim por programas de computador – conhecidos como robôs ou bots.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), as contas automatizadas (ou seja, robôs) foram responsáveis por mais de 10% das interações no Twitter durante as eleições presidenciais de 2014. Isso pode representar, sem dúvida, uma ferramenta de manipulação política.
Os robôs na internet são um mecanismo comum em atendimento a clientes de empresas ou para disparar e-mails com conteúdo comercial. Porém, o uso de robôs sociais (social bots) com fins maliciosos geram artificialmente conteúdo e estabelecem interações com perfis reais, imitando o comportamento humano.
O estudo da FGV analisou 2.153 contas suspeitas na eleição de 2014, durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2015, e na votação da reforma trabalhista, em agosto passado. Das contas analisadas, 50% possuíam aspecto de total automação, 25% eram parcialmente automatizadas, 9% contas institucionais, 6% deixaram de existir e quase 2% foram suspensas.
Por causa do efeito desse tipo de tecnologia, o advogado Danilo Carneiro pontuou que o TSE proibiu o uso indiscriminado de bots para a pulverização de uma informação.
“O TSE entende que o uso de robôs em redes sociais como o Twitter infla informações sobre o candidato criando a sensação de que ele está na frente na corrida eleitoral”, explica Carneiro. Os bots criam a impressão de amplo apoio a uma proposta ou figura pública, modificando o rumo das políticas e disseminando notícias falsas.
Segundo a pesquisa, o Twitter é a rede social que mais permite a propagação de robôs. O padrão de publicação, muitas vezes, é similar à interação entre pessoas de verdade.
“O maior problema para a Justiça é definir se o usuário é de fato um robô. Não podemos coibir a campanha de eleitor e não é simples fazer esse reconhecimento”, explicou Carneiro.
CONTRAPONTO
A existência de ferramentas que identifiquem a ação robôs faz com que o consultor em segurança da informação Gilberto Sudré acredite que o uso de bots não seja totalmente ruim.
“Um exemplo de bom uso dos robôs seria exatamente contra as notícias falsas. Poderiam ser usados para fazer uma verificação com outras fontes reconhecidamente confiáveis”, pondera.
O uso de robôs no processo eleitoral é fiscalizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF).
Gigantes da internet falam em cerco às fake news
O Facebook e o Google vêm estudando medidas para combater de vez o surgimento e disseminação das fakes news em suas plataformas.
A rede social criada por Mark Zuckerberg permitia, até pouco tempo, que administradores de páginas compartilhassem notícias de outros portais e alterassem título, texto resumo e até a imagem. Essas páginas, especializadas em promover notícias falsas, faziam o leitor acessar conteúdos diferentes do anunciado. Para frear a medida, a rede bloqueou essa ferramenta de edição.
Já o Google desenvolveu a ferramenta “Fact Check” para as notícias abrigadas no serviço Google Notícia, e separa as informações verdadeiras das consideradas boatos. Os autores dos conteúdos usam tags e recursos determinados pela empresa.
Apesar das investidas das gigantes da internet para extinguir informações deturpadas, o advogado Danilo Carneiro destaca que as alternativas usadas pelas redes são falhas. “Elas só vão poder atuar por robôs e algoritmos. Não é uma censura humana. Fazer com que os provedores tenham responsabilidade é uma luta perdida”, defendeu o advogado eleitoral.
No Twitter, apesar da facilidade de propagação de notícias falsas, a empresa não possui nenhum mecanismo de controle sobre notícias falsas.
Apesar das redes sociais cumprirem um importante papel democrático, de opinião e informação, pesquisadores e especialistas buscam como identificar e combater as fake news. “É preciso estimular a população a refletir e ter uma observação crítica. Quando você recebe um conteúdo desarmado, tende a acreditar que é verdade”, esclareceu Carneiro.
Fonte: Gazeta Online
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