O projeto usa a música para transformar vidas no DF, Rejane Pacheco criou o Reciclando Sons e já formou mais de 2.700 alunos em 16 anos de trabalho na Estrutural
Rejane Pacheco recebeu o portal para um bate-papo. Confira os principais trechos da entrevista.
Jovens renovam a esperança com a música
Qual o principal estímulo para manter um projeto que já funciona há 16 anos?
O estímulo é acreditar que a proposta que você está apresentando gera resultados. Quando você trabalha com gestão social, você é um empreendedor. Então é um caminho que não existe e você está criando. As dificuldades são imensas, então, tenho que acreditar muito naquilo que estou oferecendo como proposta e estar cada vez mais instrumentalizada para operar. Meu foco como empreendedora é trazer a música como elemento de inclusão social.
Quais as principais dificuldades em manter a ONG?
Inúmeras. Financeira, porque você depende de recursos que têm um prazo de validade, você sempre tem que estar entrando em editais. As normativas nacionais da assistente social são extremamente rígidas para uma instituição que não recebe recursos para gestão. As comunidades em si têm quesitos de vulnerabilidade que impedem que elas desenvolvam muito rápido, mas ao mesmo tempo têm um potencial de superação enorme que surpreende. Os espaços nunca são os mais adequados possíveis e os instrumentos também não são os mais adequados.
Recentemente dois alunos do Reciclando Sons ganharam bolsas para estudar música em Roma. É uma sensação de estar no caminho certo?
Essa visão eu já tive desde quando formei a instituição. Não é uma coisa que aconteceu, foi uma construção. Eu pensava sempre que eu fosse criar um programa educacional em que a comunidade trouxesse suas próprias soluções e que ela quebrasse barreiras. A construção para o caminho internacional da valorização era um dos aspectos já previstos na atuação, tanto que desde o início eu primei pela qualidade da educação dos alunos para que eles possam ser respeitados lá fora. De certa forma isso é um pouco triste porque é mais fácil eles serem respeitados lá fora do que aqui no Brasil.
Alguma crise durante esses anos colocou o projeto em dúvida?
As crises são várias. Eu acho que nem é de colocar o projeto em dúvida e sim de colocar minha capacidade de resiliência e de toda equipe. Nós mostramos para que viemos, mostramos resultados, isso é inquestionável. Estamos sobrevivendo há 16 anos e isso é inquestionável. Mas a nossa capacidade de estar superando cada dificuldade que aparece, sim.
Rejane Pacheco orienta os alunos durante o ensaio
Quais foram as principais conquistas ao longo desses anos?
Acima de tudo o respeito da comunidade. Outra é uma quebra de paradigma de que a música clássica é para a elite. Isso é emburrecer a cabeça do ser humano. Os maiores problemas que geram vulnerabilidade voltada a violência e promiscuidade sexual é a ociosidade. Hoje vemos que a comunidade comprou essa briga e agora o tempo deles é gastos com valores muito maiores. O violino para uma classe média alta é um rebuscado e para uma classe média vulnerável é uma necessidade.
Sente ou já sentiu medo de trabalhar em uma cidade com altos índices de violência?
Não pela comunidade, e sim pelas perseguições. Já sofri perseguição de vários órgãos e de várias instâncias. Eu não cheguei aqui forçando a barra, falando que ia trazer a solução para os problemas da vida deles. Eu cheguei dialogando com eles e hoje a comunidade me respeita. Não brinco com o fogo. Onde nós chegamos as bocas de fumo acabam. Onde nós chegamos os filhos de traficantes estudam com a gente. Onde nós chegamos os índices de violência diminuem.
Quando escolheu a música como profissão, imaginou trabalhar por tanto tempo em um projeto sem fins lucrativos?
Na verdade quando escolhi a música como profissão, minha maior decepção foi não ter trabalhado com projetos sem fins lucrativos. Hoje as instituições formais no DF são extremamente elitistas e burramente preconceituosas. Eles escolhem um núcleo de alunos e falam que só esses terão sucesso. Ter buscado um projeto social foi uma busca pessoal e aí eu me encontrei. Não é nada fácil, mas eu me encontrei.
Quais os planos futuros para o Instituto?
Ter um espaço que merece, caminhar com uma política pública decente de educação musical de qualidade para as comunidades vulneráveis. Ter espaços em todos os aspectos, seja cultural ou governamental com leis de incentivos a gestão de projetos sociais. Eu acho que o voluntariado deveria ser levado mais a sério nesse país. Voluntariado é um compromisso. A partir do momento que você se oferece, tem que oferecer o seu melhor.
Difícil definir uma função para Rejane Pacheco. Pedagoga e musicista formada pela Escola de Música de Brasília, a brasiliense de 39 anos acumula cursos de regência feitos no Brasil e fora do país. Todo esse currículo é colocado à prova quando o assunto é o projeto Reciclando Sons.
Com sede na Estrutural, desde 2001 a ONG recebe jovens de todo o Distrito Federal que comprovem baixa renda. Além da educação musical, os alunos contam com reforço escolar, complemento de alimentação e monitoramento educacional. Para permanecer no projeto, o jovem precisa tirar nota mínima de 7 na escola e na avaliação semestral do Instituto. Quando concluídas todas as etapas de formação no Reciclando Sons, o músico poderá ser empregado até mesmo na própria instituição.
A marca de 2.700 alunos formados pelo Instituto impressiona. O projeto foi abraçado pela comunidade e a maestrina comemora: “É uma quebra de paradigma de que a música clássica é para a elite”.
Por André Delmiro.
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